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Entrevista com o assistente social do INSS Júlio César Lopes

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Na véspera do dia em que o Brasil vai parar contra a reforma da previdência, na GREVE GERAL de 14 de junho, o CRESS Sergipe apresenta a uma profunda análise sobre o tema, feita pelo  assistente social Júlio César Lopes, que atua no INSS, mestre em Sociologia pela UFS e doutorando em Política Social pela UnB.

Nesta didática entrevista, Júlio César Lopes analisa diversos pontos da reforma da previdência proposta pelo governo federal à luz da defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, avalia a mudança do modelo de previdência para o de cotas individuais e desconstrói mitos como a suposta existências um “rombo na previdência”. 

 

 

CRESS/SE: Na sua avaliação, quais os pontos da reforma da previdência são os mais prejudiciais para os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros e por que? Quem será direta e imediatamente afetado pela reforma?

 

JÚLIO CÉSAR LOPES: A proposta de “reforma” da previdência do governo Bolsonaro, contida na PEC nº 6/2019, atinge a toda a classe trabalhadora brasileira, fundamentalmente, aqueles trabalhadores mais pobres, mulheres, idosos e moradores das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Se eu pudesse destacar cinco das piores propostas dentre as nefastas opções previstas nesta medida eu destacaria, em primeiríssimo lugar, a proposta de “capitalização” da previdência social e o consequente fim do modelo histórico e exitoso de repartição simples e pacto de gerações que a mesma vai ocasionar; em segundo lugar, o brutal ataque às pensões, que deverão ser reduzidas praticamente pela metade do valor do salário recebido pelo trabalhador que faleceu e não poderá ser acumulado com aposentadoria, devendo a/o viúva/o fazer a opção pelo benefício mais vantajoso; em terceiro está o aumento do tempo de contribuição para a aposentadoria por idade, que sai dos atuais 15 anos para 20 anos de contribuição, num país onde o desemprego é estrutural, além dos trabalhadores terem que permanecer trabalhando por 40 anos para ter direito à integralidade do seu benefício; em quarto, eu destacaria o aumento da idade de 65 para 70 anos dos idosos em situação de pobreza extrema e que requerem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da assistência social, sendo que o BPC poderá ser reduzido a R$ 400,00 mensais para idosos extremamente pobres entre 60 e 64 anos, o que representa menos da metade do salário mínimo; por fim, o quinto lugar, que se refere ao aumento da idade para a aposentadoria das mulheres, que saltará de 60 para 62 anos, com agravante para as trabalhadoras rurais, que terão um aumento de 5 anos, dos atuais 55 anos para 60 anos de idade, um desrespeito para com as trabalhadoras que possuem jornadas duplas, triplas, menores salários e oportunidades em relação aos homens.

CRESS/SE: Por vezes escutamos que há “um rombo” na previdência pública e que a reforma acabará com “regalias” para “super servidores públicos”. Há mesmo um déficit na previdência que torna urgente a realização da reforma?

 

JCL: Sempre que se quer contrarreformar a previdência se recorre ao discurso do “rombo”. Os estudos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) são categóricos ao afirmar que, pelo menos, desde a implementação da Constituição Federal de 1988, não há rombo da previdência social brasileira, ao menos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que é administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com a chamada “Constituição Cidadã” criou-se, pela primeira vez, o conceito de “seguridade social” no país, garantindo a previdência, bem como a saúde e assistência social, enquanto direitos dos trabalhadores no Brasil, tendo criado uma base “ampla” e “diversificada” de fontes de recursos para o financiamento da seguridade social. Assim, quando os governos e os meios de comunicação que lucram com esta propaganda, mencionam o suposto “rombo” da previdência, na verdade, eles estão fazendo uma relação tanto equivocada quanto restrita entre o gasto com o pagamento de benefícios previdenciários e o que se arrecada com as contribuições de empregados e patrões. Neste caso, eles “esquecem” de incluir nos cálculos da arrecadação as várias contribuições sociais como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). Então, a previdência social consegue ser superavitária. Contudo, com a aprovação da contrarreforma trabalhista (lei nº 13.467) em 2017, com o crescimento do desemprego, as desonerações e as retiradas de recursos da seguridade social em torno de 30%, através da Desvinculação das Receitas da União (DRU), este superávit corre sério risco de acabar.

 

CRESS/SE: Segundo especialistas, uma das mudanças que prejudica o trabalhador é a do modelo de capitalização da previdência pública, que passa da repartição da previdência pública e solidária para implantar um sistema de cotas individuais. Explique para a gente quais são as principais diferenças entre os dois modelos e porque isso gera prejuízo.

 

JCL: O atual modelo de previdência social possui suas raízes ainda no início da década de 1920, a partir da criação da “Lei Eloy Chaves”, ou Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. A partir daí estabelecia-se a chamada contribuição “tripartite”, onde passavam a contribuir para as caixas de aposentadorias e pensões tanto os empregados como os patrões e o Estado. Esse modelo sofreu melhorias significativas a partir da Constituição Federal de 1988, com a criação da Seguridade Social e ampliação das fontes de custeio. O que a capitalização propõe é que “apenas o trabalhador contribua”, não havendo mais as contribuições de patrões nem a do Estado. Ora, se os críticos do modelo atual advogam que ele não se sustenta e que a previdência pública está quebrada, então, como que esta previdência, que hoje conta com a contribuição de três grupos, será sustentável com a contribuição de apenas um? Não nos parece minimamente razoável esta tese. A proposta do governo não nos deixa dúvidas. Ela visa, pelo menos, o seguinte horizonte: 1 – desonerar os patrões, liberando-os das obrigações desta contribuição; 2 – desresponsabilizar o Estado do seu papel de protagonista na garantia da previdência social pública; 3 – responsabilizar somente os trabalhadores, individualmente, por sua previdência pessoal, jogando nas costas destes a culpa pelo ônus de sua possível “imprevidência” caso não consigam contribuir; 4 – favorecer o capital financeiro, ampliando o mercado de seguros e planos privados de previdência que serão contraídos pelos trabalhadores com melhores salários médios. O modelo de capitalização não se sustenta a médio e longo prazo. Esse modelo é um grande erro, pois, capitalização só se faz para “poupança”, não para “previdência”. O exemplo mais claro do fracasso desse modelo é o Chile. Lá, após 35, 40 anos de contribuição, os trabalhadores quando se aposentaram, passaram a ganhar menos da metade do salário mínimo chileno. Seria como se aqui no Brasil, ao se aposentar, após mais de 30, 40 anos de contribuição, um idoso fosse receber cerca de R$ 400,00 mensais, ou menos. Por isso que o Chile possui o maior índice do mundo em suicídio de idosos aposentados. A falta de recursos para custear seus tratamentos de saúde, medicamentos e até para se alimentar, aliado à dependência de seus filhos e demais parentes parece ser tão constrangedor que muitos idosos optam por tirar a própria vida naquele país. Se essa proposta for aprovada no Brasil será um verdadeiro genocídio, pois, nossa população é cerca de 12 vezes maior que a do Chile, tendo problemas sociais estruturais e muito mais profundos aqui. Não podemos querer isso para o nosso país. Por isso, reafirmo, essa é a pior proposta dentre todas apresentadas na PEC nº 6.  

 

 

CRESS/SE: A redução do valor do BPC é um dos aspectos mais criticados na proposta de reforma da previdência, pois ele afeta justamente a população mais vulnerável. Qual a sua avaliação da medida?

 

JCL: Perceba, para o BPC, destinado aos idosos – a princípio, a proposta não mexe com as pessoas com deficiência – há duas propostas de mudança. A primeira é esta da redução do valor do benefício de um salário mínimo, atualmente, para cerca de R$ 400,00, para os idosos que hoje compõem uma faixa etária não contemplada pelo benefício, entre 60 e 64 anos. A princípio, a medida “aparenta” ser positiva, pois, alcançaria um grupo que hoje, pelo BPC, não pode receber recurso algum. Todavia, esta proposta é preocupante, pois ela rebaixa o valor financeiro definido constitucionalmente para este benefício e cria dois grupos de idosos, os que ganham um salário e os que ganham menos da metade disso. A meu ver, o valor do BPC deve ser irredutível. O governo deveria fortalecer benefícios assistenciais que já existem, elevando os seus ínfimos valores, inclusive para os idosos mencionados, a exemplo do Programa Bolsa Família (PBF). Esta seria uma solução. A segunda questão diz respeito ao critério da idade. O governo propõe que para se ter acesso ao BPC, com o atual valor de um salário mínimo, o idoso tenha que ter 70 anos de idade, e não 65 como é hoje. Esta proposta é de uma maldade atroz. Além de representar um atraso de pelo menos mais de duas décadas – tendo em vista que, em 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu último ano de governo, reduziu essa idade para 67 anos e, no ano seguinte, com a criação do Estatuto do Idoso, já durante o governo Lula, esta idade foi reduzida para 65 anos – essa medida é desarrazoável, pois, a média da expectativa de vida no país é de aproximadamente 75 anos. Em alguns estados, particularmente nas regiões Norte e Nordeste, não chega a isso. Exemplo claro é Sergipe, que tem uma expectativa média de vida de 67 anos. Ou seja, se essa é a média, imagine em relação aos idosos mais pobres, que viveram uma vida inteira de privações. Eles não conseguirão mais acessar este benefício e, quando conseguirem, terão muito pouco tempo de vida para utilizá-lo.

 

CRESS/SE: A previdência faz, juntamente com a saúde e a assistência social, parte de um sistema maior: a seguridade social. Quais os aspectos da reforma da previdência que impactam no SUS e no SUAS? Como se dá este impacto?

 

JCL: Primeiro que a proposta atual põe um fim ao modelo de seguridade social criado no país em 1988. Sem o tripé, a seguridade não se sustenta. Com a restrição cada vez maior do acesso aos benefícios previdenciários, a tendência é que isso tenha um impacto global nas demais políticas. Sem o dinheiro das aposentadorias, pensões, demais auxílios e do BPC, a tendência é que, quando se fechar a porta da previdência, migre-se para outras políticas. A assistência social, que nas últimas décadas passou por uma hipertrofia, principalmente com o Bolsa Família, tende a ser ainda mais requisitada pelos extratos mais empobrecidos da sociedade, desde a procura por recursos em pecúnia até benefícios eventuais, como cestas-básicas e outros. O Orçamento da Assistência Social não está preparado para isso. Já a saúde, de forma semelhante, verá um aumento vertiginoso de usuários sem recursos para prover sua alimentação, adquirir parte de seus medicamentos e demais cuidados de saúde, o que levará a um aumento de casos de doenças e seus agravantes, a exemplo de hipertensão (AVC), diabetes (amputações traumáticas), doenças cardíacas (infartos), desnutrição etc. Assim, a ausência de recursos oriundos da previdência impactarão diretamente nestas outras políticas da seguridade social.

 

CRESS/SE: Diante deste cenário de retrocessos não apenas na previdência, mas no campo dos direitos socais e trabalhistas e das políticas públicas, qual a saída que você vislumbra para a população brasileira? Como os/as assistentes sociais podem contribuir para este processo de resistência?

 

JCL: Eu diria que não há uma receita pronta. O que está em jogo é a direção do Estado social no Brasil, se ele atenderá apenas às classes dominantes em seu desejo de maximização dos lucros e reprodução ampliada do capital, ou se o equilíbrio de forças em disputa na sociedade propiciará a continuidade dos direitos que, historicamente, foram conquistados à custa de muito sangue, suor e lágrimas neste país. Não há outra alternativa que não uma luta de classes, um tensionamento permanente “dos debaixo” sobre as mudanças antidemocráticas que, como diria Florestan Fernandes, são transformações “pelo alto” e não consideram as demandas sociais dos sujeitos coletivos e historicamente excluídos dos espaços de poder e dos processos decisórios. Neste momento, ocupar as ruas, os parlamentos nas três esferas, disputar o debate na imprensa alternativa e nas mídias sociais, convencer, formar e informar os trabalhadores, sejam eles os que se encontram em melhores condições salariais e de formalização das relações de trabalho, sejam os precarizados, contratados temporários, parciais, terceirizados, desempregados, muitos deles encontrando-se alheios ao que está acontecendo. Aos assistentes sociais creio que os desafios são os de sempre. Embora dotados de uma formação profissional crítica, com um projeto ético político nitidamente apontando para a superação da atual ordem societária, da ultrapassagem da falsa neutralidade e com uma posição explicitamente a favor da classe trabalhadora, os imperativos do mundo do trabalho também atingem a milhares de assistentes sociais no país, atingidos pelo desemprego, baixos salários, a precarização de trabalhos temporários ou ainda com jornadas duplas. Todavia, somos chamados à resistência coletiva e, embora não sejamos a “ponta da lança” da luta de classes, frequentemente vemos esta categoria profissional no front das lutas sociais, fortalecendo as trincheiras em favor da defesa de direitos. O que eu espero é que os assistentes sociais, mais uma vez, em todo o Brasil, juntem-se ao conjunto da classe trabalhadora e saiam às ruas neste dia 14 de junho, dia de greve geral, como saíram nos últimos dias 30 e 15 de maio e como têm saído em outros tantos dias. São tempos difíceis, mas que somos chamados a ter esperança. Como dizia Gramsci, “para o pessimismo da razão, o otimismo da vontade”. E vamos à luta por nossos direitos!

 

* JÚLIO CÉSAR LOPES DE JESUS é graduado em Serviço Social e mestre em Sociologia pela UFS. Doutorando em Política Social pela UnB e assistente social da política de previdência social, atuando no INSS em Sergipe

Na véspera do dia em que o Brasil vai parar contra a reforma da previdência, na GREVE GERAL de 14 de junho, o CRESS Sergipe apresenta a uma profunda análise sobre o tema, feita pelo  assistente social que atua no INSS, mestre em Sociologia pela UFS e doutorando em Política Social pela UnB.

Nesta didática entrevista, Júlio César Lopes analisa diversos pontos da reforma da previdência proposta pelo governo federal à luz da defesa dos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras, avalia a mudança do modelo de previdência para o de cotas individuais e desconstrói mitos como a suposta existências um “rombo na previdência”. 

CRESS/SE: Na sua avaliação, quais os pontos da reforma da previdência são os mais prejudiciais para os trabalhadores e trabalhadoras brasileiros e por que? Quem será direta e imediatamente afetado pela reforma?

 

JÚLIO CÉSAR LOPES: A proposta de “reforma” da previdência do governo Bolsonaro, contida na PEC nº 6/2019, atinge a toda a classe trabalhadora brasileira, fundamentalmente, aqueles trabalhadores mais pobres, mulheres, idosos e moradores das regiões Norte e Nordeste do Brasil. Se eu pudesse destacar cinco das piores propostas dentre as nefastas opções previstas nesta medida eu destacaria, em primeiríssimo lugar, a proposta de “capitalização” da previdência social e o consequente fim do modelo histórico e exitoso de repartição simples e pacto de gerações que a mesma vai ocasionar; em segundo lugar, o brutal ataque às pensões, que deverão ser reduzidas praticamente pela metade do valor do salário recebido pelo trabalhador que faleceu e não poderá ser acumulado com aposentadoria, devendo a/o viúva/o fazer a opção pelo benefício mais vantajoso; em terceiro está o aumento do tempo de contribuição para a aposentadoria por idade, que sai dos atuais 15 anos para 20 anos de contribuição, num país onde o desemprego é estrutural, além dos trabalhadores terem que permanecer trabalhando por 40 anos para ter direito à integralidade do seu benefício; em quarto, eu destacaria o aumento da idade de 65 para 70 anos dos idosos em situação de pobreza extrema e que requerem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) da assistência social, sendo que o BPC poderá ser reduzido a R$ 400,00 mensais para idosos extremamente pobres entre 60 e 64 anos, o que representa menos da metade do salário mínimo; por fim, o quinto lugar, que se refere ao aumento da idade para a aposentadoria das mulheres, que saltará de 60 para 62 anos, com agravante para as trabalhadoras rurais, que terão um aumento de 5 anos, dos atuais 55 anos para 60 anos de idade, um desrespeito para com as trabalhadoras que possuem jornadas duplas, triplas, menores salários e oportunidades em relação aos homens.

CRESS/SE: Por vezes escutamos que há “um rombo” na previdência pública e que a reforma acabará com “regalias” para “super servidores públicos”. Há mesmo um déficit na previdência que torna urgente a realização da reforma?

 

JCL: Sempre que se quer contrarreformar a previdência se recorre ao discurso do “rombo”. Os estudos da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) são categóricos ao afirmar que, pelo menos, desde a implementação da Constituição Federal de 1988, não há rombo da previdência social brasileira, ao menos no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), que é administrado pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Com a chamada “Constituição Cidadã” criou-se, pela primeira vez, o conceito de “seguridade social” no país, garantindo a previdência, bem como a saúde e assistência social, enquanto direitos dos trabalhadores no Brasil, tendo criado uma base “ampla” e “diversificada” de fontes de recursos para o financiamento da seguridade social. Assim, quando os governos e os meios de comunicação que lucram com esta propaganda, mencionam o suposto “rombo” da previdência, na verdade, eles estão fazendo uma relação tanto equivocada quanto restrita entre o gasto com o pagamento de benefícios previdenciários e o que se arrecada com as contribuições de empregados e patrões. Neste caso, eles “esquecem” de incluir nos cálculos da arrecadação as várias contribuições sociais como a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), o Programa de Integração Social (PIS) e o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP). Então, a previdência social consegue ser superavitária. Contudo, com a aprovação da contrarreforma trabalhista (lei nº 13.467) em 2017, com o crescimento do desemprego, as desonerações e as retiradas de recursos da seguridade social em torno de 30%, através da Desvinculação das Receitas da União (DRU), este superávit corre sério risco de acabar.

 

CRESS/SE: Segundo especialistas, uma das mudanças que prejudica o trabalhador é a do modelo de capitalização da previdência pública, que passa da repartição da previdência pública e solidária para implantar um sistema de cotas individuais. Explique para a gente quais são as principais diferenças entre os dois modelos e porque isso gera prejuízo.

 

JCL: O atual modelo de previdência social possui suas raízes ainda no início da década de 1920, a partir da criação da “Lei Eloy Chaves”, ou Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. A partir daí estabelecia-se a chamada contribuição “tripartite”, onde passavam a contribuir para as caixas de aposentadorias e pensões tanto os empregados como os patrões e o Estado. Esse modelo sofreu melhorias significativas a partir da Constituição Federal de 1988, com a criação da Seguridade Social e ampliação das fontes de custeio. O que a capitalização propõe é que “apenas o trabalhador contribua”, não havendo mais as contribuições de patrões nem a do Estado. Ora, se os críticos do modelo atual advogam que ele não se sustenta e que a previdência pública está quebrada, então, como que esta previdência, que hoje conta com a contribuição de três grupos, será sustentável com a contribuição de apenas um? Não nos parece minimamente razoável esta tese. A proposta do governo não nos deixa dúvidas. Ela visa, pelo menos, o seguinte horizonte: 1 – desonerar os patrões, liberando-os das obrigações desta contribuição; 2 – desresponsabilizar o Estado do seu papel de protagonista na garantia da previdência social pública; 3 – responsabilizar somente os trabalhadores, individualmente, por sua previdência pessoal, jogando nas costas destes a culpa pelo ônus de sua possível “imprevidência” caso não consigam contribuir; 4 – favorecer o capital financeiro, ampliando o mercado de seguros e planos privados de previdência que serão contraídos pelos trabalhadores com melhores salários médios. O modelo de capitalização não se sustenta a médio e longo prazo. Esse modelo é um grande erro, pois, capitalização só se faz para “poupança”, não para “previdência”. O exemplo mais claro do fracasso desse modelo é o Chile. Lá, após 35, 40 anos de contribuição, os trabalhadores quando se aposentaram, passaram a ganhar menos da metade do salário mínimo chileno. Seria como se aqui no Brasil, ao se aposentar, após mais de 30, 40 anos de contribuição, um idoso fosse receber cerca de R$ 400,00 mensais, ou menos. Por isso que o Chile possui o maior índice do mundo em suicídio de idosos aposentados. A falta de recursos para custear seus tratamentos de saúde, medicamentos e até para se alimentar, aliado à dependência de seus filhos e demais parentes parece ser tão constrangedor que muitos idosos optam por tirar a própria vida naquele país. Se essa proposta for aprovada no Brasil será um verdadeiro genocídio, pois, nossa população é cerca de 12 vezes maior que a do Chile, tendo problemas sociais estruturais e muito mais profundos aqui. Não podemos querer isso para o nosso país. Por isso, reafirmo, essa é a pior proposta dentre todas apresentadas na PEC nº 6.  

 

 

CRESS/SE: A redução do valor do BPC é um dos aspectos mais criticados na proposta de reforma da previdência, pois ele afeta justamente a população mais vulnerável. Qual a sua avaliação da medida?

 

JCL: Perceba, para o BPC, destinado aos idosos – a princípio, a proposta não mexe com as pessoas com deficiência – há duas propostas de mudança. A primeira é esta da redução do valor do benefício de um salário mínimo, atualmente, para cerca de R$ 400,00, para os idosos que hoje compõem uma faixa etária não contemplada pelo benefício, entre 60 e 64 anos. A princípio, a medida “aparenta” ser positiva, pois, alcançaria um grupo que hoje, pelo BPC, não pode receber recurso algum. Todavia, esta proposta é preocupante, pois ela rebaixa o valor financeiro definido constitucionalmente para este benefício e cria dois grupos de idosos, os que ganham um salário e os que ganham menos da metade disso. A meu ver, o valor do BPC deve ser irredutível. O governo deveria fortalecer benefícios assistenciais que já existem, elevando os seus ínfimos valores, inclusive para os idosos mencionados, a exemplo do Programa Bolsa Família (PBF). Esta seria uma solução. A segunda questão diz respeito ao critério da idade. O governo propõe que para se ter acesso ao BPC, com o atual valor de um salário mínimo, o idoso tenha que ter 70 anos de idade, e não 65 como é hoje. Esta proposta é de uma maldade atroz. Além de representar um atraso de pelo menos mais de duas décadas – tendo em vista que, em 2002, o presidente Fernando Henrique Cardoso, em seu último ano de governo, reduziu essa idade para 67 anos e, no ano seguinte, com a criação do Estatuto do Idoso, já durante o governo Lula, esta idade foi reduzida para 65 anos – essa medida é desarrazoável, pois, a média da expectativa de vida no país é de aproximadamente 75 anos. Em alguns estados, particularmente nas regiões Norte e Nordeste, não chega a isso. Exemplo claro é Sergipe, que tem uma expectativa média de vida de 67 anos. Ou seja, se essa é a média, imagine em relação aos idosos mais pobres, que viveram uma vida inteira de privações. Eles não conseguirão mais acessar este benefício e, quando conseguirem, terão muito pouco tempo de vida para utilizá-lo.

 

CRESS/SE: A previdência faz, juntamente com a saúde e a assistência social, parte de um sistema maior: a seguridade social. Quais os aspectos da reforma da previdência que impactam no SUS e no SUAS? Como se dá este impacto?

 

JCL: Primeiro que a proposta atual põe um fim ao modelo de seguridade social criado no país em 1988. Sem o tripé, a seguridade não se sustenta. Com a restrição cada vez maior do acesso aos benefícios previdenciários, a tendência é que isso tenha um impacto global nas demais políticas. Sem o dinheiro das aposentadorias, pensões, demais auxílios e do BPC, a tendência é que, quando se fechar a porta da previdência, migre-se para outras políticas. A assistência social, que nas últimas décadas passou por uma hipertrofia, principalmente com o Bolsa Família, tende a ser ainda mais requisitada pelos extratos mais empobrecidos da sociedade, desde a procura por recursos em pecúnia até benefícios eventuais, como cestas-básicas e outros. O Orçamento da Assistência Social não está preparado para isso. Já a saúde, de forma semelhante, verá um aumento vertiginoso de usuários sem recursos para prover sua alimentação, adquirir parte de seus medicamentos e demais cuidados de saúde, o que levará a um aumento de casos de doenças e seus agravantes, a exemplo de hipertensão (AVC), diabetes (amputações traumáticas), doenças cardíacas (infartos), desnutrição etc. Assim, a ausência de recursos oriundos da previdência impactarão diretamente nestas outras políticas da seguridade social.

 

CRESS/SE: Diante deste cenário de retrocessos não apenas na previdência, mas no campo dos direitos socais e trabalhistas e das políticas públicas, qual a saída que você vislumbra para a população brasileira? Como os/as assistentes sociais podem contribuir para este processo de resistência?

 

JCL: Eu diria que não há uma receita pronta. O que está em jogo é a direção do Estado social no Brasil, se ele atenderá apenas às classes dominantes em seu desejo de maximização dos lucros e reprodução ampliada do capital, ou se o equilíbrio de forças em disputa na sociedade propiciará a continuidade dos direitos que, historicamente, foram conquistados à custa de muito sangue, suor e lágrimas neste país. Não há outra alternativa que não uma luta de classes, um tensionamento permanente “dos debaixo” sobre as mudanças antidemocráticas que, como diria Florestan Fernandes, são transformações “pelo alto” e não consideram as demandas sociais dos sujeitos coletivos e historicamente excluídos dos espaços de poder e dos processos decisórios. Neste momento, ocupar as ruas, os parlamentos nas três esferas, disputar o debate na imprensa alternativa e nas mídias sociais, convencer, formar e informar os trabalhadores, sejam eles os que se encontram em melhores condições salariais e de formalização das relações de trabalho, sejam os precarizados, contratados temporários, parciais, terceirizados, desempregados, muitos deles encontrando-se alheios ao que está acontecendo. Aos assistentes sociais creio que os desafios são os de sempre. Embora dotados de uma formação profissional crítica, com um projeto ético político nitidamente apontando para a superação da atual ordem societária, da ultrapassagem da falsa neutralidade e com uma posição explicitamente a favor da classe trabalhadora, os imperativos do mundo do trabalho também atingem a milhares de assistentes sociais no país, atingidos pelo desemprego, baixos salários, a precarização de trabalhos temporários ou ainda com jornadas duplas. Todavia, somos chamados à resistência coletiva e, embora não sejamos a “ponta da lança” da luta de classes, frequentemente vemos esta categoria profissional no front das lutas sociais, fortalecendo as trincheiras em favor da defesa de direitos. O que eu espero é que os assistentes sociais, mais uma vez, em todo o Brasil, juntem-se ao conjunto da classe trabalhadora e saiam às ruas neste dia 14 de junho, dia de greve geral, como saíram nos últimos dias 30 e 15 de maio e como têm saído em outros tantos dias. São tempos difíceis, mas que somos chamados a ter esperança. Como dizia Gramsci, “para o pessimismo da razão, o otimismo da vontade”. E vamos à luta por nossos direitos!

 

* JÚLIO CÉSAR LOPES DE JESUS é graduado em Serviço Social e mestre em Sociologia pela UFS. Doutorando em Política Social pela UnB e assistente social da política de previdência social, atuando no INSS em Sergipe.

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