No dia 28 de setembro celebra-se o Dia Latino-americano e Caribenho de Luta pela Descriminalização e Legalização do Aborto. Mas nos últimos meses, o tema tem ocupado a agenda de debates da sociedade e da mídia por outros motivos: primeiro porque é época de eleições municipais. E na política, costuma-se polarizar a discussão, sem qualquer análise dos dados que envolvem o aborto no Brasil: “candidato/a é a favor ou contra?” – é a pergunta que se faz para saber se aquela pessoa deve ou não ser representante da população nas câmaras municipais e prefeituras em todo o país.
Outro fator que está levando o aborto para as manchetes dos principais jornais impressos, televisivos e radiofônicos, sem contar à própria internet, é a discussão do novo Código Penal brasileiro. Elaborado por juristas e encaminhado ao Senado Federal para análise, o anteprojeto aponta, entre outras coisas, a possibilidade do aborto por vontade da gestante, até a décima segunda semana da gestação, quando médico/a ou psicólogo/a constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade.
Importante lembrar também que em abril deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a mulher, se desejar, pode ter a gravidez interrompida em casos de fetos anencéfalos, sem que a prática configure aborto criminoso. Com isso, alteram-se para três as prerrogativas legais para a realização do aborto no Brasil: em situações de gravidez com risco de morte à mulher ou advinda de um estupro ou de gestação de fetos anencefálicos. “Para este último caso, não é preciso mais autorização judicial”, explica Rosangela Talib, que integra a organização Católicas pelo direito de decidir.
“A decisão do STF significou, antes de tudo, uma conquista para as mulheres brasileiras. Significou a possibilidade de não vivenciar uma violência institucionalizada que é ser obrigada a levar adiante, com dores e sofrimentos, uma gravidez de feto anencéfalo; significou o reconhecimento, pelo Poder Judiciário, a inaceitabilidade ética dessa situação e dessa violência; e, em um contexto de forte recrudescimento do conservadorismo, significou um avanço no debate público e uma derrota das forças conservadoras, que atuaram fortemente para barrar a conquista desse direito pelas mulheres”, opinou a pesquisadora Verônica Ferreira, do instituto feminista SOS Corpo.
E o que assistentes sociais em todo o país têm a ver com este tema?
Há pelo menos quatro anos, o Conjunto CFESS-CRESS vem discutindo o tema com a categoria, por entender que a prática do aborto é um grave problema de saúde pública e envolve os direitos humanos das mulheres. Os Encontros Nacionais de 2009 e 2010, maior espaço deliberativo da categoria que reúne assistentes sociais representantes de todas as regiões do Brasil, aprovaram, respectivamente, as deliberações de apoiar a descriminalização e a legalização do aborto. Decisões que podem não representar a opinião de todos/as, mas que demonstram o posicionamento da grande maioria de profissionais.
Assistentes sociais podem, muitas vezes, trabalhar em equipes multiprofissionais que realizam atendimento de mulheres que desejam interromper a gravidez conforme as prerrogativas legais. Na opinião de Rosangela Talib, a qualidade dos serviços prestados para este tipo de procedimento é boa, mas faltam hospitais preparados para fazê-lo. “Os serviços existentes estão nas mãos de profissionais extremamente sensíveis às demandas das mulheres e preparados/as para realizar um atendimento de acordo com as Normas Técnicas de atendimento aos casos de violência sexual e abortamento inseguro, do Ministério da Saúde”, afirma. Mas segundo ela, ainda há estados em que estes serviços não foram instituídos, ou seja, não há uma equipe de saúde multiprofissional capacitada e preparada para realizar o aborto legal. “Além disso, o desconhecimento da população sobre a legislação que permite o abortamento e dos serviços de atendimento existentes reflete a qualidade dessa política do SUS”, completa Rosangela.
O Código de Ética dos/as assistentes sociais, no seu artigo 6º, indica que a categoria deve respeitar as decisões da população usuária, ainda que se discorde delas.
“Nesse sentido, mesmo que discorde, cabe ao/à assistente social, que atende pela primeira vez uma mulher que se encontra grávida devido a um estupro, indicar as alternativas possíveis, como a interrupção dessa gravidez. O/a assistente social pode – por questão de objeção de consciência – não trabalhar num serviço de aborto legal, mas, nunca, independente do setor em que atua, sonegar informações. E sim, prestá-las – ressaltando as possibilidades e consequências das escolhas que daí derivarem – e, assim que possível, encaminhar a mulher para o atendimento a outro/a colega não objetor, para que continue o atendimento”, opina o conselheiro da Comissão de Ética e Direitos Humanos (CEDH/CFESS), Maurílio Matos.
Aborto clandestino atinge principalmente mulheres pobres e negras
Conforme divulgado pelo CFESS Manifesta de 2011, segundo o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMEA), são realizados no Brasil, por ano, um milhão de abortos clandestinos que causam: 602 internações diárias por infecção; 25% dos casos de esterilidade; 9% dos óbitos maternos, sendo a terceira causa de morte materna no país. A criminalização do aborto atinge mais as mulheres pobres, uma vez que as de outros extratos sociais podem recorrer ao aborto em clínicas com total garantia de qualidade no atendimento. Mulheres negras e pardas, moradoras das regiões norte e nordeste, estão mais sujeitas à mortalidade em decorrência do abortamento inseguro, sendo que no nordeste a curetagem é o segundo procedimento obstétrico mais realizado. Ou seja, a criminalização do aborto segue a lógica excludente e seletiva.
Para a coordenadora da CEDH/CFESS, Marylucia Mesquita, é preciso reconhecer as mulheres como seres éticos capazes de liberdade. “São as mulheres, e não algo que lhes é exterior (como o Estado, a igreja ou a sociedade), que precisam assumir o controle sobre sua capacidade biológica e reprodutiva. As mulheres têm o direito de agir de forma não heterônoma e, portanto, construir e escolher seus projetos de vida a partir de si mesmas, recusando o projeto de outrem. E isso implica no reconhecimento de que nenhuma mulher pode ser impedida de ser mãe, mas também que nenhuma mulher pode ser obrigada a ser mãe”, defende a conselheira, que ainda indaga: “Será que é punindo e criminalizando as mulheres que evitaremos ou reduziremos a prática de abortamento?”.
Nas próximas semanas, o CFESS divulgará outra reportagem sobre o tema aborto, dessa vez abordando como o mesmo está sendo pautado na proposta do novo Código Penal. O texto, que está sendo analisado por uma Comissão Especial no Senado, diz que aborto não será crime nos seguintes casos: quando “houver risco à vida ou à saúde da gestante”; se “a gravidez resulta de violação da dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida”; se “comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que inviabilizem a vida independente, em ambos os casos atestado por dois médicos”; e “por vontade da gestante até a 12ª semana da gestação, quando o médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições de arcar com a maternidade”.
Veja as deliberações dos Encontros Nacionais sobre a questão do aborto
Conheça a Norma Técnica Atenção Humanizada ao Abortamento
Leia o CFESS Manifesta sobre a data, lançado em 2011
Relembre: Aborto de fetos anencéfalos não é crime
E mais: CFESS integra movimento pela legalização do aborto
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